A peste a guerra e a fome
A pandemia recente fez lembrar as antigas epidemias que dizimavam a população do mundo depois de períodos de crescimento demográfico lento. Era como se sempre que a população humana crescia em demasia, a natureza (ou algum deus ou demónio) viesse colocar as coisas no seu devido lugar e reduzir o número excessivo de homens. É claro que apesar de ter provocado alguma mortalidade, felizmente as consequências desta pandemia não se aproximaram de algumas das grandes e aterrorizadoras razias do passado. Mas como as outras grandes epidemias da história também esta vai cedendo ao passar do tempo, e se não se extinguiu de todo, pelo menos tornou-se menos agressiva e mortal, e mais cedo ou mais tarde vai acabar por passar.
Depois do auge da preocupação com a pandemia, veio a guerra na Ucrânia. Na verdade não há dia nenhum em que não haja guerras no mundo, mas longe de nós e com fraca cobertura mediática, e muitas vezes nem nos lembramos delas. Mas é claro também que a guerra na Ucrânia tem uma importância especial por ser uma peça importante na evolução geopolítica mundial na transição que se adivinha entre o mundo unipolar que nos tem governado, e o mundo multipolar que está para vir. Pela sua proximidade, pela importância para o futuro das relações entre os países do mundo, e sobretudo pela cobertura anormalmente extensa e emotiva que dela se tem feito, esta guerra tem algo de muito marcante para todos nós.
Vivemos assim nos últimos anos num mundo de insegurança, seja pelas preocupações (por vezes exacerbadas e quase doentias) com a saúde, seja pela “guerra na Europa” que ao que dizem (sobretudo para nos assustar), pode descambar num conflito nuclear final. Se em relação à pandemia todos os esforços e dificuldades que passamos eram consequência da necessidade imperiosa de combater o “mal” em forma de doença impiedosa e mortal, agora com a guerra, a narrativa mantém-se: esta é uma luta do “bem contra o mal”, e assim se explica o mundo a pessoas tratadas como crianças ingénuas. Mas a insegurança e a ideia de combate ao “mal” estão estabelecidas.
O que não se explica é que depois da peste e da guerra, provavelmente virá a fome. Mas neste caso não virá como consequência direta de qualquer delas (peste ou guerra), nem por fatalidade histórica, mas antes como método estudado para concentração de poder e de riqueza na mão dos que já hoje são escandalosamente ricos. Desta vez, com o artifício de uma crise que eles próprios estão a criar, parece que pretendem assumir o controlo de recursos vitais para qualquer sociedade, como a energia (sobretudo as novas formas de energia), a alimentação e a água.
Deixem-me adivinhar: como consequência das alterações climáticas, da escassez de sementes disponíveis no mercado, da dificuldade de comercializar os adubos russos, e mesmo da redução forçada das áreas agrícolas que está em curso em alguns países da Europa, no próximo ano teremos escassez de alimentos em vastas áreas do mundo. É claro que numa economia de mercado os preços vão subir, e quem conseguir pagar passará bem, mas quem for pobre…
Claro está que a recessão do “Ocidente”, que já começou, se vai propagar a outras regiões, e a inflação galopante, que se pode aproximar em alguns países ricos de valores inimagináveis ainda há alguns anos, ou seja, para perto dos 20% ao ano, vai retirar o poder de compra sobretudo às classes baixa e média. As empresas que vão falir serão compradas por “tuta e meia” pelas que pertencem aos grandes grupos económicos, e assim se concentrará mais a economia e a riqueza nas mãos de cada vez menos.
Também o controlo da água, enquanto recurso vital está na agenda dos que fomentam e conduzem a crise que temos ainda apenas a nascer. A água é um bem fundamental, e quem a controlar tem os povos inteiros na mão. Sabemos bem como um tanto por todo o mundo, mas também em Portugal, se tenta retirar o controlo da água do setor público, sempre com o discurso cínico e enganador da falta de eficácia, sobre os ganhos de produtividade, sobre as perdas e roturas dos sistemas… Agora, com a seca e a falta de água que já se vai sentindo, sugere-se às autarquias que subam os preços da água, para que as pessoas aprendam a poupar o precioso líquido, mas vários autarcas já se estão a recusar a aumentar os preços da água aos seus munícipes. Eles ou sabem ou intuem que esse passo faz parte de um processo pensado para facilita a privatização da água. Sendo cara, uma empresa privada pode acenar com a baixa de preços, e assim cativar a opinião pública para o processo de subtração de mais um bem coletivo dos portugueses por uma entidade privada (e no futuro estrangeira). Cuidado portugueses…
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