Tem-se vindo a consolidar na
Europa a convicção de que todo o cidadão ao nascer deve ter a felicidade como
direito garantido. O assunto combina bem com uma certa ideologia que
desresponsabiliza os jovens a partir da mais tenra idade, dando-lhe
desmedidamente mais direitos que deveres. Podendo parecer uma questão meramente
teórica e com pouco interesse para a vida quotidiana de cada um de nós, ela é,
bem pelo contrário, de grande interesse prático e atualidade, dado que é nessa
forma de pensar que são ancorados inúmeros comportamentos e normas sociais e
legais. Vou apenas centrar a questão no conceito de “direito natural à
felicidade” como consequência das condições de vida, já que penso que é pela
sua própria natureza inatingível.
1 - As condições que proporcionam
a felicidade, e que podem ser objeto de intervenção ou regulamentação, são
essencialmente materiais e sociais (donde se excluem as de carácter afetivo,
religioso e outras), e que podem ser asseguradas ao indivíduo através das ações
da sociedade e de suas organizações (assumindo aqui o Estado um papel
preponderante).
2 – A felicidade é evidentemente
um conceito difuso e algo subjetivo, mas no caso que aqui trato resulta
sobretudo das situações em que o indivíduo consegue obter algo que desejou, e
que tomou como sendo de obtenção não garantida.
3 – Quando, como consequência
lógica do “direito natural à felicidade”, se oferecem indiscriminadamente a
todos os cidadãos as condições materiais e sociais necessárias e suficientes
para a sua obtenção, essas condições perdem a natureza de “desejo satisfeito”,
e logo perdem a capacidade de gerar felicidade.
Portanto podemos perceber que
existe um paradoxo neste assegurar do “direito à felicidade”, e que resulta precisamente
da sua natureza: a “felicidade” só existe de forma mais ou menos efémera como
consequência da obtenção de algo difícil de obter. Portanto tudo o que é
oferecido sistemática e universalmente perde a capacidade de gerar felicidade.
É evidente que esta ideia geral
tem inúmeras consequências práticas ao mesmo tempo que permite compreender
fenómenos aparentemente estranhos. Por exemplo, existem sérios problemas de
depressão e situações de suicídio em países que garantem aos seus cidadãos boas
condições de vida, e logo onde se esperaria encontrar povos com elevados níveis
de felicidade. Parece que, tal como o nosso sistema imunitário “enlouquece”
quando vivemos em ambientes estéreis e o nosso corpo não recebe qualquer tipo
de agressão do exterior, também o nosso espírito perde a energia e o estímulo
para a vida quando tudo corre “demasiado bem durante demasiado tempo”.
Repensemos por isto a forma como
temos vindo a educar os nossos filhos. Criamos para eles um mundo de direitos
sem deveres, onde tudo lhes é oferecido sem que para isso tenham que despender
o mínimo esforço. E, surpresa ou talvez não, não são mais felizes por isso.
Tudo o que a vida lhes trás de bom (e é geralmente muito) é por eles
desvalorizado e indiferente; as pequenas contrariedades com que têm que se
confrontar são vistas como dramas geradores de profunda infelicidade, e quantas
vezes de séria depressão.
A felicidade é afinal um bem pelo qual tem que
necessariamente se lutar, mas que não pode ser nem inatingível nem oferecida
graciosamente.
Pensem nisto.
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