Os custos das alterações climáticas
Sabemos que há “negacionistas” capazes de garantir que as alterações climáticas são uma ficção inventada pelos chineses ou por uma qualquer força obscura na defesa de interesses inconfessáveis. É normal, há gente para tudo. Também há quem circule em contramão na autoestrada e garanta que todos os condutores que vê são loucos… Mas quem tenha os pés assentes no chão já percebeu que as alterações climáticas só não estão a chegar, porque já chegaram, e são cada vez mais visíveis entre nós e na generalidade do mundo.
No que toca a Portugal todos os estudos que abordam o problema são unânimes a prever uma subida generalizada das temperaturas, em particular com o surgimento recorrente de vagas de calor extremo durante o verão, situação que será mais difícil de gerir no sul do país e no interior. Por outro lado é dada como garantida a redução da precipitação, estimando-se a diminuição de 80% no período de verão (ou seja deixa simplesmente de chover durante meses a fio, o que na prática já vai acontecendo). Também se espera para breve uma redução muito significativa da precipitação na totalidade do ano, o que não é mais que a continuação daquilo que infelizmente já vemos todos os anos: desde 1960 a precipitação no sul de Portugal já diminuiu em média mais de 220 mm. Infelizmente a tendência tem sido para o aumento do ritmo de todas as mudanças relacionadas com as alterações climáticas: como se costuma dizer, as revisões das previsões são sempre feitas para pior. Sabemos que os climas do sul da Europa têm uma marcada irregularidade interanual no que respeita à precipitação, por isso até pode vir um ano (Deus o queira) com chuva abundante, mas sabemos que será uma variação positiva numa tendência negativa.
A água que existe numa região resulta do balanço entre a água que entra no sistema (região), e a água que dele sai. Normalmente a entrada faz-se pela precipitação atmosférica, mas pode também chegar água por outras vias, como seja os transvases ou a dessalinização. A água pode sair do mesmo sistema pela evapotranspiração, ou pela descarga para o exterior da rede hidrográfica ou das nascentes submarinas. Entre a sua chegada e a sua saída do sistema ela está disponível para utilização em diversas situações e com diferentes potenciais de uso.
Como a possibilidade de provocar chuva (que é possível com diversas técnicas de “inseminação de nuvens”) não parece ser muito viável para já entre nós, e não podemos alterar significativamente a precipitação a curto prazo, resta-nos tentar evitar que a água saia do sistema sem utilidade, ou que seja degradada e se torne inútil pela ação humana.
Deste modo teremos que evitar todas as perdas de água desnecessárias e inúteis. Será importante desde logo reduzir a área florestal que mais consome a água da chuva, e que são as grandes plantações de eucaliptos. Toda a água que promove o seu excelente crescimento é água subtraída ao solo e ao subsolo, e que consequentemente não vai ficar disponível na toalha freática para usos mais nobres ou mesmo vitais. Quando os poços e furos já vão secando, e o abastecimento de água às pessoas começa a ficar comprometido, não nos podemos dar ao luxo de usar água para produzir madeira.
Será igualmente necessário racionalizar as perdas de água do Perímetro de Rega do Mira enquanto a albufeira da barragem de Santa Clara ainda tem água que se possa poupar. A perda permanente de água no final dos canais de rega, correndo dia e noite para o Mira ou para o mar, era normal nos tempos em que havia muita água e sobrava a ponto de correr pelo descarregador da barragem com frequência. Neste tempo em que a água é um bem cada vez mais escasso, impõe-se impedir as perdas, e algo deveria ser feito rapidamente para que se poupe a pouca água que há.
Se a carência de água aumentar como infelizmente se espera, teremos eventualmente que vir a condicionar as culturas que sejam mais exigentes no consumo de água, orientando a produção agrícola para culturas sem rega ou em que a rega se possa fazer por sistemas modernos com poupança de água.
Vai com toda a probabilidade ser necessário abastecer com rede pública de distribuição de água muitos montes isolados e da periferia das aldeias que até aqui tinham aprovisionamento próprio em poços ou furos, porque o mais certo é que eles venham a secar.
Mas terá também que se melhorar os sistemas de tratamento de águas residuais, para que a sua escorrência para as linhas de água seja a salvação das ribeiras cada vez mais secas, e não a sua degradação. Quando as ribeiras levavam muita água, os efluentes urbanos, mesmo que não completamente tratados, diluíam-se nos caudais abundantes, e na prática não constituíam problema de maior. Mas agora, quando as ribeiras vão secas ou quase, se os efluentes que saem das estações de tratamento de águas residuais não estiverem em excelentes condições, constituem um problema grave.
Tudo isto vai ter que ser feito mais cedo ou mais tarde, mas tudo isto vai custar muito caro. Vai possivelmente ser necessário compensar as empresas proprietárias das plantações de eucaliptos para que as serras voltem a produzir água e abastecer as nascentes dos vales; vai ser necessário investir nos canais de rega para evitar perdas inúteis; vai ser necessário estender a rede pública de abastecimento de água; vai ser necessário melhorar as ETARs; vai ser necessário investir em equipamentos de rega mais eficazes…
Quando se fala de custos financeiros que resultam das alterações climáticas, é também disto que estamos a falar, e não são custos pequenos. Por último, já perceberam quem vai pagar tudo isto?